Síndrome do pânico
(Dr. Dráuzio Varella entrevista o Dr. Márcio
Bernik, médico psiquiatra e coordenador do Ambulatório de Ansiedade do
Hospital das Clínicas do Instituto de Psiquiatria da Universidade de São Paulo)
A
síndrome do pânico, na linguagem psiquiátrica chamada de transtorno do pânico,
é uma enfermidade que se caracteriza por crises absolutamente inesperadas de
medo e desespero. A pessoa tem a impressão de que vai morrer naquele momento de
um ataque cardíaco, porque o coração dispara, sente falta de ar e tem sudorese
abundante.
Quem padece de síndrome do pânico sofre durante as crises e ainda mais nos intervalos entre uma e outra, pois não faz a menor ideia de quando elas ocorrerão novamente, se dali a cinco minutos, cinco dias ou cinco meses. Isso traz tamanha insegurança que a qualidade de vida do paciente fica seriamente comprometida.
ANSIEDADE
NORMAL E ANSIEDADE PATOLÓGICA
Drauzio – Que diferença
existe entre ansiedade normal e a que caracteriza a síndrome do pânico?
Márcio
Bernik –
Ansiedade é um estado emocional normal. Uma das características do sucesso da
espécie humana é a capacidade de antecipar o perigo, o que requer uma
preparação geradora de ansiedade. A ansiedade é patológica, quando deixa de ser
útil e passa a causar sofrimento excessivo ou prejuízo para o desempenho da
pessoa. O transtorno do pânico é uma das formas de manifestação da ansiedade
patológica.
Drauzio – No dia a dia, quando
as pessoas dizem que estão ansiosas a que exatamente estão se referindo?
Márcio
Bernik -
Provavelmente se referem a um estado emocional normal, um tipo de ansiedade que
as faz ficar acordadas até mais tarde na véspera de uma prova ou de uma
entrevista para um emprego novo. É a ansiedade que nos permite, apesar do
cansaço, jogar bola até o final do segundo tempo sem deitar e dar um cochilo no
campo.
A ansiedade advinda da preocupação de que alguma coisa possa dar errado é útil dentro do contexto apropriado. Por isso, quando as pessoas se dizem ansiosas, estão mesmo, e isso pode não representar inconveniente maior.
A ansiedade patológica é desproporcional ao contexto. As sensações que o paciente com transtorno do pânico experimenta nas crises podem ser absolutamente normais e apropriadas se a pessoa estiver dentro de um prédio pegando fogo, com a diferença de que, nesse momento, sua atenção estará voltada para a própria sobrevivência e ela não dará importância às manifestações de taquicardia, sudorese e falta de ar que se instalaram.
SINTOMAS
DO TRANSTORNO DO PÂNICO
Drauzio – Os sintomas que o
transtorno do pânico provoca são semelhantes ao da ansiedade normal, apenas
mais intensos, ou são diferentes?
Márcio
Bernik –
Os sintomas são relativamente similares. As sensações físicas da ansiedade são
uma reação normal, por exemplo, caso a pessoa tenha fobia de lagartixa ou de
falar em público e se veja diante de uma dessas situações. O que caracteriza o
pânico é a forma abrupta e inesperada que os sintomas aparecem e o fato de a
crise atingir o ápice em dez minutos. Na verdade, bastam 30 segundos para o
paciente, que estava se sentindo bem, ser tomado inexplicavelmente por sintomas
que, de certa forma, todos conhecemos: boca seca, tremores, taquicardia, falta
de ar, mal-estar na barriga ou no peito, sufocamento, tonturas. Muitas vezes,
tudo isso vem acompanhado da sensação de que algo trágico, como morte súbita ou
enlouquecimento, está por acontecer. Nesses casos, é comum a pessoa ter uma reação
comportamental de pânico e sair à procura de socorro. Aliás, a sala de espera
dos prontos-socorros é um dos lugares onde o médico mais se depara com
transtornos de pânico.
Drauzio – Nessa hora a
sensação é terrível. Muitos acham que realmente vão morrer, não é?
Márcio
Bernik –
No episódio de pânico, a sensação de morte iminente provocada por um problema
cardíaco tem duas explicações: a rapidez e a forma inesperada com que a crise
acontece. A ansiedade normal tende a ocorrer em ondas, não em picos intensos.
Mesmo o pânico que as pessoas sentem numa montanha-russa extremamente radical
pode ser até agradável se estiver dentro de um contexto compreensível.
Entretanto, a reação será muito diferente, se ele vier do out of the blue,
como dizem os americanos, ou do azul do céu, como dizemos nós.
ANSIEDADE
ANTECIPATÓRIA E AGORAFOBIA
Drauzio – Quais são
os gatilhos mais frequentes para as crises do transtorno de pânico? Por que uma
pessoa passa 30 anos sem ter nada e um dia, por ter ficado fechada dentro de um
elevador quebrado, começa a manifestar o problema em situações que nada tem a
ver com esse fato?
Márcio
Bernik – O
transtorno de pânico é uma doença que se manifesta especialmente em jovens e
acomete mais as mulheres do que os homens. A maioria dos pacientes tem a
primeira crise entre 15 e 20 anos desencadeada sem motivo aparente.
Com o passar do tempo, as crises vão se repetindo de maneira aleatória. Não prever quando podem surgir novamente gera uma ansiedade chamada de antecipatória. A pessoa fica preocupada com o fato de que os sintomas possam aparecer numa situação para a qual não encontre saída nem ajuda, como dentro de elevadores, metrô, aviões, salas de espera de médicos e dentistas, congestionamentos de trânsito. Se reagir de forma a evitar esses lugares a partir dessa experiência, desenvolverá uma segunda doença, a agorafobia, um quadro fóbico provocado pelo pânico não tratado, que se caracteriza por fugir de situações nas quais uma crise de pânico possa representar perigo, causar embaraço ou a sensação de estar presa numa armadilha. Geralmente os pacientes com pânico sofrem mais pela agorafobia do que pelo pânico em si. É o medo do medo.
Drauzio – Isso não seria de
certo modo inevitável?
Márcio
Bernik –
Não é inevitável. É raro, mas algumas pessoas com personalidade mais robusta,
mesmo com crises frequentes, não desenvolvem agorafobia. Outras, depois de duas
ou três crises, praticamente ficam presas ao lar. Nos casos mais graves, o
paciente não consegue sair de casa sozinho. É importante registrar que a maioria
das pessoas rapidamente desenvolve algum grau de limitação. Em geral, só
conseguem ir trabalhar, se puderem percorrer o mesmo caminho. Pegar um avião ou
uma estrada congestionada num feriado é hipótese fora de cogitação.
Outra característica importante da agorafobia é que, uma vez estabelecida, não constitui uma fase passageira da doença e não cura sozinha. Além disso, as crises não desaparecem com a idade. Começam quando a pessoa é jovem e se manifestam até a idade madura.
Até pouco tempo atrás, as crises de transtorno do pânico eram atribuídas ao nervosismo ou desequilíbrio psicológico. Nos prontos-socorros, recebiam o diagnóstico de peripaque ou distúrbio neurovegetativo, uma maneira mais ou menos pejorativa de os médicos dizerem que o paciente não tinha nada, embora estivesse apresentando um episódio patológico de origem cerebral.
FENÔMENO
FÍSICO E PSICOLÓGICO
Drauzio – Qual a
participação do sistema nervoso central na crise do pânico?
Márcio
Bernik –
Nada é puramente psicológico, porque os fenômenos psicológicos passam pelo
cérebro. As estruturas que deflagram o pânico num indivíduo são as mesmas que
existem em todos nós para desencadear uma reação de fuga e luta numa situação
de emergência.
Ao longo da evolução da espécie humana, o cérebro humano desenvolveu sistemas fundamentais para responder a perigos próximos ou distantes que levem à destruição imediata do organismo. O pânico resulta da hiperatividade desse sistema cerebral, que foi desenhado para produzir respostas imediatas ao perigo iminente.
EVOLUÇÃO
DA DOENÇA
Drauzio – Como
costumam evoluir os casos não tratados de transtorno do pânico?
Márcio
Bernik – O
transtorno do pânico tem um curso bastante característico. O paciente típico é
uma mulher (o quadro é duas a quatro vezes mais frequente nelas), mas a doença
também pode ocorrer com evolução e sintomas idênticos nos homens. Atribui-se
essa frequência maior no sexo feminino à sensibilização das estruturas
cerebrais pela flutuação hormonal, visto que a incidência de pânico aumenta no
período fértil da vida.
Geralmente, depois da primeira crise, ocorrem outras – duas a quatro por semana – que vêm e passam. A partir de então, num período que se estende de um até cinco anos, uma série de consequências começa a manifestar-se. A pessoa tranquila de antes torna-se tensa por dois motivos especiais: a expectativa da próxima e inesperada crise e, paradoxalmente, porque a tensão protege contra o pânico. Se antes possuía uma personalidade relaxada e autoconfiante, fica insegura e leva uma vida mais restrita por causa da agorafobia que se instalou. A longo prazo, 60% dos pacientes com pânico apresentam depressão e 12% tentam suicídio.
Existe também uma associação entre transtorno do pânico e alcoolismo secundário como forma de autotratamento contra a ansiedade.
TRATAMENTO
Drauzio – Como você orienta
o tratamento de uma pessoa que diz ter crises de pânico em determinadas
situações?
Márcio
Bernik – O
pânico pode indicar um problema primário próprio do transtorno de pânico ou ser
a manifestação secundária do uso exagerado de medicamentos que podem provocar
crises de pânico em pessoas propensas, como os corticoides e a maioria das
anfetaminas, no Brasil, largamente usados por mulheres jovens que querem
emagrecer. É preciso pesquisar também o uso de psico-estimulantes, como a
cocaína e o ecstasy, uma anfetamina halogenada de ação serotonérgica
extremamente rápida. Portanto, é fundamental verificar se o quadro de pânico é
secundário a outras patologias. O hipertireoidismo, por exemplo, pode provocar
sintomas muito parecidos com os das crises de pânico.
Uma vez afastadas essas possibilidades, é relativamente simples firmar o diagnóstico clínico do transtorno de pânico. Os sintomas são muito claros. Deve-se, ainda, tentar fazer uma análise funcional para estabelecer as limitações que a doença acarretou a fim de estimular uma melhora na qualidade de vida do paciente.
Drauzio – O tratamento
implica uma parte medicamentosa e outra comportamental. Qual é a orientação que
se deve dar aos doentes?
Márcio
Bernik – O que
se sabe hoje é que a técnica de combinar medicamentos e terapia comportamental
é mais eficiente, pois é muito penoso para o paciente adotar um programa
comportamental baseado na exposição a situações que provocam pânico,
sistematicamente, de forma gradual e progressiva, até que ocorra a
dessensibilização.
A terapia de exposição baseia-se na capacidade de o ser humano habituar-se ao estresse. É como se assistisse a um filme de terror 15 vezes. Na primeira vez, os cabelos ficam em pé. Na segunda, como já sabe o que vai rolar e que vai espirrar sangue no teto, a reação é menos intensa. Na última, o filme não desperta mais nenhuma resposta emocional. Todavia, os pacientes aceitam melhor o tratamento e melhoram mais depressa se simultaneamente tomarem antidepressivos, medicação que se torna obrigatória para os 60% daqueles que têm depressão associada ao pânico.
DURAÇÃO
DO TRATAMENTO
Drauzio – O tratamento deve
ser mantido por quanto tempo?
Márcio
Bernik – O
tratamento deve ser mantido por seis meses no mínimo e idealmente por um ano. A
melhora costuma ocorrer entre duas e quatro semanas, mas parece que as
alterações biológicas demoram meses para desaparecer. Desse modo, se o
tratamento for interrompido nos primeiros sinais de melhora, 80% dos pacientes
vão sofrer recidiva em quatro a seis semanas.
Drauzio – O
tratamento leva de duas a três semanas para começar a surtir resultados e os
medicamentos dão alguns efeitos colaterais. Essas duas razões podem levar o
paciente a abandonar o tratamento?
Márcio
Bernik - Mesmo
que o médico inspire confiança e haja ótimo relacionamento entre ele e o
paciente, um a cada três abandona o tratamento porque, numa equação infeliz, os
efeitos colaterais aparecem no primeiro dia e a melhora, só duas ou três
semanas depois. Há ainda a agravante de que as crises de pânico pioram nas
primeiras 48 horas do tratamento com remédios.
Drauzio – Há pacientes que
precisam tomar remédio a vida inteira como acontece em certos casos de
depressão?
Márcio
Bernik –
Procuro manter meus pacientes tomando remédio pelo menos por um ano, o tempo
ideal para evitar uma recidiva precoce.
O pânico é mais recidivante do que a depressão. No entanto, o remédio que funcionou na primeira crise vai funcionar nas outras. De qualquer forma, é importante alertar os pacientes de que, em 80% dos casos, as crises podem voltar. Mas, se voltarem, os medicamentos serão os mesmos, porque não induzem tolerância.
TERAPIAS
ALTERNATIVAS
Drauzio – Terapias alternativas
como meditação e ioga fazem algum efeito?
Márcio
Bernik -
Sou fã dessas duas que você mencionou nem tanto para o pânico que, às vezes, é
uma doença biológica. No entanto, para os problemas de ansiedade e para as
pessoas que manifestam preocupação excessiva chamada de ansiedade generalizada,
atividades contemplativas como a meditação e ioga ajudam a assumir uma atitude
menos agressiva perante o mundo, menos carregada de espírito competitivo, ou
seja, auxiliam a desenvolver um comportamento oposto ao que as empresas
preconizam.
Terapias alternativas que incluem remédios como o Hipericum ou à base de flores não têm sua eficácia comprovada e, aparentemente, funcionam como placebos. No caso específico do Hipericum, há relatos de hemorragia por causa de sua propriedade anticoagulante. O fato de ser uma erva não quer dizer que não faça mal.
Terapias alternativas que incluem remédios como o Hipericum ou à base de flores não têm sua eficácia comprovada e, aparentemente, funcionam como placebos. No caso específico do Hipericum, há relatos de hemorragia por causa de sua propriedade anticoagulante. O fato de ser uma erva não quer dizer que não faça mal.
Drauzio – É sempre bom
lembrar que muitos dos piores venenos que conhecemos vêm de ervas.
ATIVIDADE
FÍSICA
Drauzio - Qual é o
papel do exercício físico nos transtornos de pânico?
Márcio
Bernik -
Além de fazer bem para todo o mundo porque é excelente para o condicionamento
cardiovascular, o exercício físico provoca algumas sensações semelhantes às da
síndrome do pânico. É impossível fazer um exercício físico vigoroso sem sentir
taquicardia, sudorese, perna bamba. Por isso, não se pode diagnosticar
transtorno de pânico se os sintomas ocorrerem após atividade física extenuante.
Entretanto, experimentar essas sensações de pânico num contexto agradável, por exemplo, numa partida de vôlei ou num jogo de futebol, ajuda no processo de dessensibilização. Assim, se não houver contraindicações, exercícios físicos mais vigorosos representam uma forma de terapia de exposição às sensações internas que o pânico causa.
Entretanto, experimentar essas sensações de pânico num contexto agradável, por exemplo, numa partida de vôlei ou num jogo de futebol, ajuda no processo de dessensibilização. Assim, se não houver contraindicações, exercícios físicos mais vigorosos representam uma forma de terapia de exposição às sensações internas que o pânico causa.
REAÇÃO DA
FAMÍLIA
Drauzio – Como a família
deve portar-se diante de um portador do transtorno de pânico?
Márcio
Bernik – O
pânico, como todas as doenças psiquiátricas, não dá pintas vermelhas na cara
como o sarampo nem 39º C de febre. Por isso, é muito comum a família entendê-lo
como uma forma de fraqueza moral e de falta de personalidade e reagir da
seguinte maneira: “Eu também não gosto de trânsito, mas vou trabalhar todos os
dias”.
Por isso, é de importância fundamental a conscientização da família. Grupos de auto-ajuda, livros sobre o assunto ou mesmo a internet podem ser úteis para que os familiares entendam a natureza da doença. O mal-estar que o paciente experimenta num congestionamento é muito diferente do desconforto que qualquer um de nós possa sentir. Por outro lado, o excesso de compreensão pode favorecer a esquiva fóbica, e a pessoa não sai mais de casa nem para ir à padaria. Na verdade, a agorafobia cresce com os bons cuidados. A família deve incentivar a atividade do doente. “Eu sei que você não se sente bem, mas é importante continuar indo à escola”, ou “Se você conseguisse ir ao clube, ir trabalhar e não pedisse demissão seria melhor para sua autoestima” são estímulos importantes para os pacientes com síndrome do pânico.
Repouso é bom para gripe. Para doenças crônicas como depressão e pânico que muitas vezes a pessoa carrega pela vida afora, o pior é ficar em casa repousando. O certo é levar vida o mais normal possível apesar das dificuldades.
DROGAS
Drauzio – Qual o
papel da maconha nos pacientes com transtorno do pânico?
Márcio
Bernik – Um dos
mecanismos de ação da maconha é o estímulo serotonérgico, também provocado pelo
LSD, uma droga alucinógena ligada às crises de pânico. Não há quem não tenha
ouvido falar em bad trip, a viagem sem volta, caracterizado por um
mal-estar intenso que pode levar ao suicídio.
Embora haja relatos de que a maconha é relaxante, dá sono e fome, está demonstrado que pode desencadear crises de pânico em pessoas predispostas. Por isso, pacientes com transtorno de pânico não devem fumar maconha.
Embora haja relatos de que a maconha é relaxante, dá sono e fome, está demonstrado que pode desencadear crises de pânico em pessoas predispostas. Por isso, pacientes com transtorno de pânico não devem fumar maconha.