Psicose maníaco-depressiva, transtorno ou doença afetivo bipolar, incluindo tipos específicos de doenças ou transtornos do humor, como ciclotimia, hipomania e transtorno misto do humor.
O que é a doença bipolar do humor:
O Transtorno Bipolar do Humor, antigamente denominado de psicose maníaco-depressiva, é caracterizado por oscilações ou mudanças cíclicas de humor. Estas mudanças vão desde oscilações normais, como nos estados de alegria e tristeza, até mudanças patológicas acentuadas e diferentes do normal, como episódios de MANIA, HIPOMANIA, DEPRESSÃO e MISTOS. É uma doença de grande impacto na vida do paciente, de sua família e sociedade, causando prejuízos freqüentemente irreparáveis em vários setores da vida do indivíduo, como nas finanças, saúde, reputação, além do sofrimento psicológico. É relativamente comum, acometendo aproximadamente 8 a cada 100 indivíduos, manifestando-se igualmente em mulheres e homens.
O que causa a doença bipolar do humor:
A base da causa para a doença bipolar do humor não é inteiramente conhecida, assim como não o é para os demais distúrbios do humor. Sabe-se que os fatores biológicos (relativos a neurotransmissores cerebrais), genéticos, sociais e psicológicos somam-se no desencadeamento da doença. Em geral, os fatores genéticos e biológicos podem determinar como o indivíduo reage aos estressores psicológicos e sociais, mantendo a normalidade ou desencadeando doença. O transtorno bipolar do humor tem uma importante característica genética, de modo que a tendência familiar à doença pode ser observada.
Como se manifesta a doença bipolar do humor:
Pode iniciar na infância, geralmente com sintomas como irritabilidade intensa, impulsividade e aparentes “tempestades afetivas”. Um terço dos indivíduos manifestará a doença na adolescência e quase dois terços, até os 19 anos de idade, com muitos casos de mulheres podendo ter início entre os 45 e 50 anos. Raramente começa acima dos 50 anos, e quando isso acontece, é importante investigar outras causas.
A MANIA (eufórica) é caracterizada por:
Humor excessivamente animado, exaltado, eufórico, alegria exagerada e duradoura;
Extrema irritabilidade, impaciência ou “pavio muito curto”;
Agitação, inquietação física e mental;
Aumento de energia, da atividade, começando muitas coisas ao mesmo tempo sem conseguir terminá-las
Otimismo e confiança exageradas;
Pouca capacidade de julgamento, incapacidade de discernir;
Crenças irreais sobre as próprias capacidades ou poderes, acreditando possuir muitos dons ou poderes especiais;
Idéias grandiosas;
Pensamentos acelerados, fala muito rápida, pulando de uma idéia para outra,tagarelice;
Facilidade em se distrair, incapacidade de se concentrar;
Comportamento inadequado, provocador, intrometido, agressivo ou de risco;
Gastos excessivos;
Desinibição, aumento do contato social, expansividade;
Aumento do impulso sexual;
Agressividade física e/ou verbal;
Insônia e pouca necessidade de sono;
Uso de drogas, em especial cocaína, álcool e soníferos.
* Três ou mais sintomas aqui relacionados devem estar presentes por, no mínimo, uma semana; * A hipomania é um estado de euforia mais leve que não compromete tanto a capacidade de funcionamento do paciente. Geralmente, passa despercebida por ser confundida com estados normais de alegria e devem durar no mínimo dois dias.
A DEPRESSÃO, que pode ser de intensidade leve, moderada ou grave, é caracterizada por:
Humor melancólico, depressivo;
Perda de interesse ou prazer em atividades habitualmente interessantes;
Sentimentos de tristeza, vazio, ou aparência chorosa/melancólica;
Inquietação ou irritabilidade;
Perda ou aumento de apetite/peso, mesmo sem estar de dieta;
Excesso de sono ou incapacidade de dormir;
Sentir-se ou estar agitado demais ou excessivamente devagar (lentidão);
Fadiga ou perda de energia;
Sentimentos de falta de esperança, culpa excessiva ou pessimismo;
Dificuldade de concentração, de se lembrar das coisas ou de tomar decisões;
Pensamentos de morte ou suicídio, planejamento ou tentativas de suicídio;
Dores ou outros sintomas corporais persistentes, não provocados por doenças ou lesões físicas.
* estes sintomas manifestam-se na maior parte do tempo por, pelo menos, DUAS semanas.
O ESTADO MISTO é caracterizado por:
Sintomas depressivos e maníacos acentuados acontecendo simultaneamente;
A pessoa pode sentir-se deprimida pela manhã e progressivamente eufórica com o passar do dia, ou vice-versa;
Pode ainda apresentar-se agitada, acelerada e ao mesmo tempo queixar-se de angústia, desesperança e idéias de suicídio;
Os sintomas freqüentemente incluem agitação, insônia e alterações do apetite. Nos casos mais graves, podem haver sintomas psicóticos (alucinações e delírios) e pensamentos suicidas;
* os sintomas devem estar presentes a maior parte dos dias por, no mínimo, uma semana.
De que outras formas a doença bipolar do humor pode se manifestar:
Existem três outras formas através das quais a doença bipolar do humor pode se manifestar, além de episódios bem definidos de mania e depressão.
Uma primeira forma seria a hipomania, em que também ocorre estado de humor elevado e expansivo, eufórico, mas de forma mais suave. Um episódio hipomaníaco, ao contrário da mania, não é suficientemente grave para causar prejuízo no trabalho ou nas relações sociais, nem para exigir a hospitalização da pessoa.
Uma segunda forma de apresentação da doença bipolar do humor seria a ocorrência de episódios mistos, quando em um mesmo dia haveria a alternância entre depressão e mania. Em poucas horas a pessoa pode chorar, ficar triste, sentindo-se sem valor e sem esperança, e no momento seguinte estar eufórica, sentindo-se capaz de tudo, ou irritada, falante e agressiva.
A terceira forma da doença bipolar do humor seria aquela conhecida como transtorno ciclotímico, ou apenas ciclotimia, em que haveria uma alteração crônica e flutuante do humor, marcada por numerosos períodos com sintomas maníacos e numerosos períodos com sintomas depressivos, que se alternariam. Tais sintomas depressivos e maníacos não seriam suficientemente graves nem ocorreriam em quantidade suficiente para se ter certeza de se tratar de depressão e de mania, respectivamente. Seria, portanto, facilmente confundida com o jeito de ser da pessoa, marcada por instabilidade do humor.
Como se diagnostica a doença bipolar do humor:
O diagnóstico da doença bipolar do humor deve ser feito por um médico psiquiátrico baseado nos sintomas do paciente. Não há exames de imagem ou laboratoriais que auxiliem o diagnóstico. A dosagem de lítio no sangue só é feita para as pessoas que usam carbonato de lítio como tratamento medicamentoso, a fim de se acompanhar a resposta ao remédio.
Como se trata a doença bipolar do humor:
O tratamento, após o diagnóstico preciso, é medicamentoso, envolvendo uma classe de medicações chamada de estabilizadores do humor, da qual o carbonato de lítio é o mais estudado e o mais usado. A carbamazepina, a oxcarbazepina e o ácido valpróico também se mostram eficazes. Um acompanhamento psiquiátrico deve ser mantido por um longo período, sendo que algumas formas de psicoterapia podem colaborar para o tratamento.
quarta-feira, 27 de março de 2013
Vídeo da série "Males da Alma", exibido pelo Fantástico no dia 24/03/2013, pelo Dr. Dráuzio Varella. Vale a pena ver para saber mais sobre a bipolaridade, seus sintomas e efeitos:
Apesar desse blog tratar de assuntos sobre bipolaridade, ao me deparar com uma edição da Revista Veja sobre Depressão, não pude deixar passar em branco esse assunto tão importante quanto. Espero que lhes seja útil:
Depressão
“A promessa da cura”
“A
cetamina é a primeira esperança de tratamento eficaz da doença que afeta 40
milhões de Brasileiros". Mas porque vejo como
provocação?
Primeiro, a cetamina não corresponde à “primeira esperança” no
que se diz respeito ao tratamento da depressão, pois todo medicamento
psicotrópico lançado corresponde a uma esperança de se curar uma psicopatologia
- que em muitos casos é a mesma correspondente a se enxugar gelo. Segundo,
a depressão tem sim um aspecto fundamentalmente bioquímico, mas desprezar a
dimensão psicológica é recorrer em um erro desastroso.
O diagnóstico e tratamento das psicopatologias, como as
depressões e as ansiedades, sofrem profundo viés histórico e político e não
deve ser considerado definitivo. Por exemplo, temos alguns diagnósticos que
foram utilizados por um bom tempo e que caíram em desuso como o “Railway Spine”
(espinha da estrada de ferro) por John Eric Erichsen em 1867, que era o
diagnóstico dado à pessoas que reclamavam por ter andado de trem mas que não
tinham nenhum tipo de traumatismo observável. Os médicos da época chegaram a
conclusão de que o movimento brusco dos trens, que eram bastante
desconfortáveis, produziam micro lesões na espinha e no cérebro que ocasionavam
um estado de desconforto mental. A Draptomania, descrita pelo medico americano
Samuel A. Cartwright em 1851 é a mais curiosa. Tratava-se de um desejo
incontrolável que os escravos americanos tinham de fugir e viver em liberdade.
Sim, isso era uma doença mental. E como todo bom médico, ele oferecia a cura. A
cura era chicotear o escravo para liberá-los desse desejo demoníaco de fuga
(portanto, quando você, vê na televisão cenas de escravos sendo chicoteados
saiba que esse processo tinha comprovação científica). Além disso, se o chicote
não resolvesse, era bom que se retirasse os dedões dos pés como terapia
definitiva.
A própria homossexualidade, passou a ser considerada doença no
século XIX e deixa de ser considerada psicopatologia em 1974, por pressão
popular dos movimentos gays, em uma das votações da Associação Psiquiátrica
Americana, que decide o que é ou não é psicopatologia até os dias de hoje.
Nessa lista temos também a Histeria Clássica descrita exaustivamente por
Sigmund Freud e as Personalidades Múltiplas, uma doença típica americana. Ambas
caíram em desuso.
Em 1980 DSM III (manual que, infelizmente se transformou a
bíblia da psiquiatria moderna no mundo) sofreu uma mudança importante. O
sintoma psicológico para os psiquiatras era tratado como simbólico, como um
aviso do próprio corpo que indicava algum conflito que deveria ser resolvido.
Essa postura sofre evidentemente influência da psicanálise de Freud, da
Fenomenologia (que se trata da experiência individual do sujeito) e por não se
ter até o momento técnicas e tratamentos biológicos (farmacológicos)
minimamente eficazes. A clorpromazina, sintetizada em 1950, é a primeira droga
antipsicótica clássica ou típica, sendo protótipo no tratamento de pacientes
esquizofrênicos. A droga diminuía os sintomas sem produzir sonolência e
prostração. Isso revolucionou (para o bem ou para o mal) a questão de como os
profissionais da saúde observam o sofrimento mental. Além disso, muda também a
relação do paciente, ou seja, da sociedade, com as psicopatologias. Se no
inicio da psicofarmacologia (anos 50 ou 60) as pessoas de certo modo escondiam
que tomavam certos medicamentos psiquiátricos (e nesse sentido temos muita
propaganda feita sobre esses medicamentos), hoje tomar um medicamento dessa
espécie é comum e até desejável.
A psicofarmacologia torna-se então um dos ramos mais lucrativos
da economia impactando severamente a psiquiatria e impactando como nós
entediamos o sofrimento metal. A psiquiatria que nas décadas de 60 e 70 passava
por uma profunda crise de confiabilidade, se apega na nova esperança dos
tratamentos exclusivamente psicofarmacológicos. E assim, há uma mudança
drástica no paradigma das doenças mentais no mundo todo, e se exclui quase por
completo a influência da psicanálise freudiana e da fenomenologia.
Há, portanto na classificação psicopatológica interesses
financeiros enormes das companhias de seguros, sistema público de saúde e da
indústria farmacêutica e também interesses em se manter uma ideia de
normalidade psíquica que tem relação intima com a obrigação de sermos felizes e
potentes em termos de desejarmos consumir e trabalhar mais e mais e, portanto,
produzir adequadamente em um sistema capitalista dependente do tal “capital
humano”.
Já vi inúmeras vezes a Revista Veja tentar criar um “frenesi” em
torno de alimentos e comportamentos, estampando em suas capas o que pode ou o
que não pode, o que a ciência permite ou não. Mas no caso da depressão, ou
qualquer outra psicopatologia, essas capas sensacionalistas podem produzir um
efeito idiotizador sobre as pessoas. Falar que a depressão tem cura com um
simples remédio é recusar que todo ser humano tem uma história e conflitos
importantes e, afirmar que nós “podemos” e “devemos” ser felizes independente
da nossa vida cotidiana ser uma miséria completa.
quarta-feira, 6 de março de 2013
Programa Consciência e Evolução
(Exibido em 01/03/2013)
Nesse vídeo, Moisés Esagüi explica características do transtorno bipolar e de que forma essa patologia pode ser tratada para que se possa reconstruir uma vida saudável.
segunda-feira, 4 de março de 2013
Síndrome do pânico
(Dr. Dráuzio Varella entrevista o Dr. Márcio
Bernik, médico psiquiatra e coordenador do Ambulatório de Ansiedade do
Hospital das Clínicas do Instituto de Psiquiatria da Universidade de São Paulo)
A
síndrome do pânico, na linguagem psiquiátrica chamada de transtorno do pânico,
é uma enfermidade que se caracteriza por crises absolutamente inesperadas de
medo e desespero. A pessoa tem a impressão de que vai morrer naquele momento de
um ataque cardíaco, porque o coração dispara, sente falta de ar e tem sudorese
abundante.
Quem padece de síndrome do pânico sofre durante as crises e ainda mais nos
intervalos entre uma e outra, pois não faz a menor ideia de quando elas
ocorrerão novamente, se dali a cinco minutos, cinco dias ou cinco meses. Isso
traz tamanha insegurança que a qualidade de vida do paciente fica seriamente
comprometida.
ANSIEDADE
NORMAL E ANSIEDADE PATOLÓGICA
Drauzio – Que diferença
existe entre ansiedade normal e a que caracteriza a síndrome do pânico?
Márcio
Bernik –
Ansiedade é um estado emocional normal. Uma das características do sucesso da
espécie humana é a capacidade de antecipar o perigo, o que requer uma
preparação geradora de ansiedade. A ansiedade é patológica, quando deixa de ser
útil e passa a causar sofrimento excessivo ou prejuízo para o desempenho da
pessoa. O transtorno do pânico é uma das formas de manifestação da ansiedade
patológica.
Drauzio – No dia a dia, quando
as pessoas dizem que estão ansiosas a que exatamente estão se referindo?
Márcio
Bernik -
Provavelmente se referem a um estado emocional normal, um tipo de ansiedade que
as faz ficar acordadas até mais tarde na véspera de uma prova ou de uma
entrevista para um emprego novo. É a ansiedade que nos permite, apesar do
cansaço, jogar bola até o final do segundo tempo sem deitar e dar um cochilo no
campo.
A ansiedade advinda da preocupação de que alguma coisa possa dar errado é útil
dentro do contexto apropriado. Por isso, quando as pessoas se dizem ansiosas,
estão mesmo, e isso pode não representar inconveniente maior.
A ansiedade patológica é desproporcional ao contexto. As sensações que o
paciente com transtorno do pânico experimenta nas crises podem ser absolutamente
normais e apropriadas se a pessoa estiver dentro de um prédio pegando fogo, com
a diferença de que, nesse momento, sua atenção estará voltada para a própria
sobrevivência e ela não dará importância às manifestações de taquicardia,
sudorese e falta de ar que se instalaram.
SINTOMAS
DO TRANSTORNO DO PÂNICO
Drauzio – Os sintomas que o
transtorno do pânico provoca são semelhantes ao da ansiedade normal, apenas
mais intensos, ou são diferentes?
Márcio
Bernik –
Os sintomas são relativamente similares. As sensações físicas da ansiedade são
uma reação normal, por exemplo, caso a pessoa tenha fobia de lagartixa ou de
falar em público e se veja diante de uma dessas situações. O que caracteriza o
pânico é a forma abrupta e inesperada que os sintomas aparecem e o fato de a
crise atingir o ápice em dez minutos. Na verdade, bastam 30 segundos para o
paciente, que estava se sentindo bem, ser tomado inexplicavelmente por sintomas
que, de certa forma, todos conhecemos: boca seca, tremores, taquicardia, falta
de ar, mal-estar na barriga ou no peito, sufocamento, tonturas. Muitas vezes,
tudo isso vem acompanhado da sensação de que algo trágico, como morte súbita ou
enlouquecimento, está por acontecer. Nesses casos, é comum a pessoa ter uma reação
comportamental de pânico e sair à procura de socorro. Aliás, a sala de espera
dos prontos-socorros é um dos lugares onde o médico mais se depara com
transtornos de pânico.
Drauzio – Nessa hora a
sensação é terrível. Muitos acham que realmente vão morrer, não é?
Márcio
Bernik –
No episódio de pânico, a sensação de morte iminente provocada por um problema
cardíaco tem duas explicações: a rapidez e a forma inesperada com que a crise
acontece. A ansiedade normal tende a ocorrer em ondas, não em picos intensos.
Mesmo o pânico que as pessoas sentem numa montanha-russa extremamente radical
pode ser até agradável se estiver dentro de um contexto compreensível.
Entretanto, a reação será muito diferente, se ele vier do out of the blue,
como dizem os americanos, ou do azul do céu, como dizemos nós.
ANSIEDADE
ANTECIPATÓRIA E AGORAFOBIA
Drauzio – Quais são
os gatilhos mais frequentes para as crises do transtorno de pânico? Por que uma
pessoa passa 30 anos sem ter nada e um dia, por ter ficado fechada dentro de um
elevador quebrado, começa a manifestar o problema em situações que nada tem a
ver com esse fato?
Márcio
Bernik – O
transtorno de pânico é uma doença que se manifesta especialmente em jovens e
acomete mais as mulheres do que os homens. A maioria dos pacientes tem a
primeira crise entre 15 e 20 anos desencadeada sem motivo aparente.
Com o passar do tempo, as crises vão se repetindo de maneira aleatória. Não
prever quando podem surgir novamente gera uma ansiedade chamada de
antecipatória. A pessoa fica preocupada com o fato de que os sintomas possam
aparecer numa situação para a qual não encontre saída nem ajuda, como dentro de
elevadores, metrô, aviões, salas de espera de médicos e dentistas,
congestionamentos de trânsito. Se reagir de forma a evitar esses lugares a
partir dessa experiência, desenvolverá uma segunda doença, a agorafobia, um
quadro fóbico provocado pelo pânico não tratado, que se caracteriza por fugir
de situações nas quais uma crise de pânico possa representar perigo, causar
embaraço ou a sensação de estar presa numa armadilha. Geralmente os pacientes
com pânico sofrem mais pela agorafobia do que pelo pânico em si. É o medo do
medo.
Drauzio – Isso não seria de
certo modo inevitável?
Márcio
Bernik –
Não é inevitável. É raro, mas algumas pessoas com personalidade mais robusta,
mesmo com crises frequentes, não desenvolvem agorafobia. Outras, depois de duas
ou três crises, praticamente ficam presas ao lar. Nos casos mais graves, o
paciente não consegue sair de casa sozinho. É importante registrar que a maioria
das pessoas rapidamente desenvolve algum grau de limitação. Em geral, só
conseguem ir trabalhar, se puderem percorrer o mesmo caminho. Pegar um avião ou
uma estrada congestionada num feriado é hipótese fora de cogitação.
Outra característica importante da agorafobia é que, uma vez estabelecida, não
constitui uma fase passageira da doença e não cura sozinha. Além disso, as
crises não desaparecem com a idade. Começam quando a pessoa é jovem e se
manifestam até a idade madura.
Até pouco tempo atrás, as crises de transtorno do pânico eram atribuídas ao
nervosismo ou desequilíbrio psicológico. Nos prontos-socorros, recebiam o
diagnóstico de peripaque ou distúrbio neurovegetativo, uma maneira mais ou
menos pejorativa de os médicos dizerem que o paciente não tinha nada, embora
estivesse apresentando um episódio patológico de origem cerebral.
FENÔMENO
FÍSICO E PSICOLÓGICO
Drauzio – Qual a
participação do sistema nervoso central na crise do pânico?
Márcio
Bernik –
Nada é puramente psicológico, porque os fenômenos psicológicos passam pelo
cérebro. As estruturas que deflagram o pânico num indivíduo são as mesmas que
existem em todos nós para desencadear uma reação de fuga e luta numa situação
de emergência.
Ao longo da evolução da espécie humana, o cérebro humano desenvolveu sistemas
fundamentais para responder a perigos próximos ou distantes que levem à
destruição imediata do organismo. O pânico resulta da hiperatividade desse
sistema cerebral, que foi desenhado para produzir respostas imediatas ao perigo
iminente.
EVOLUÇÃO
DA DOENÇA
Drauzio– Como
costumam evoluir os casos não tratados de transtorno do pânico?
Márcio
Bernik – O
transtorno do pânico tem um curso bastante característico. O paciente típico é
uma mulher (o quadro é duas a quatro vezes mais frequente nelas), mas a doença
também pode ocorrer com evolução e sintomas idênticos nos homens. Atribui-se
essa frequência maior no sexo feminino à sensibilização das estruturas
cerebrais pela flutuação hormonal, visto que a incidência de pânico aumenta no
período fértil da vida.
Geralmente, depois da primeira crise, ocorrem outras – duas a quatro por semana
– que vêm e passam. A partir de então, num período que se estende de um até
cinco anos, uma série de consequências começa a manifestar-se. A pessoa
tranquila de antes torna-se tensa por dois motivos especiais: a expectativa da
próxima e inesperada crise e, paradoxalmente, porque a tensão protege contra o
pânico. Se antes possuía uma personalidade relaxada e autoconfiante, fica
insegura e leva uma vida mais restrita por causa da agorafobia que se instalou.
A longo prazo, 60% dos pacientes com pânico apresentam depressão e 12% tentam
suicídio.
Existe também uma associação entre transtorno do pânico e alcoolismo secundário
como forma de autotratamento contra a ansiedade.
TRATAMENTO
Drauzio – Como você orienta
o tratamento de uma pessoa que diz ter crises de pânico em determinadas
situações?
Márcio
Bernik – O
pânico pode indicar um problema primário próprio do transtorno de pânico ou ser
a manifestação secundária do uso exagerado de medicamentos que podem provocar
crises de pânico em pessoas propensas, como os corticoides e a maioria das
anfetaminas, no Brasil, largamente usados por mulheres jovens que querem
emagrecer. É preciso pesquisar também o uso de psico-estimulantes, como a
cocaína e o ecstasy, uma anfetamina halogenada de ação serotonérgica
extremamente rápida. Portanto, é fundamental verificar se o quadro de pânico é
secundário a outras patologias. O hipertireoidismo, por exemplo, pode provocar
sintomas muito parecidos com os das crises de pânico.
Uma vez afastadas essas possibilidades, é relativamente simples firmar o
diagnóstico clínico do transtorno de pânico. Os sintomas são muito claros.
Deve-se, ainda, tentar fazer uma análise funcional para estabelecer as
limitações que a doença acarretou a fim de estimular uma melhora na qualidade
de vida do paciente.
Drauzio – O tratamento
implica uma parte medicamentosa e outra comportamental. Qual é a orientação que
se deve dar aos doentes?
Márcio
Bernik – O que
se sabe hoje é que a técnica de combinar medicamentos e terapia comportamental
é mais eficiente, pois é muito penoso para o paciente adotar um programa
comportamental baseado na exposição a situações que provocam pânico,
sistematicamente, de forma gradual e progressiva, até que ocorra a
dessensibilização.
A terapia de exposição baseia-se na capacidade de o ser humano habituar-se ao
estresse. É como se assistisse a um filme de terror 15 vezes. Na primeira vez,
os cabelos ficam em pé. Na segunda, como já sabe o que vai rolar e que vai
espirrar sangue no teto, a reação é menos intensa. Na última, o filme não
desperta mais nenhuma resposta emocional. Todavia, os pacientes aceitam melhor
o tratamento e melhoram mais depressa se simultaneamente tomarem antidepressivos,
medicação que se torna obrigatória para os 60% daqueles que têm depressão
associada ao pânico.
DURAÇÃO
DO TRATAMENTO
Drauzio – O tratamento deve
ser mantido por quanto tempo?
Márcio
Bernik – O
tratamento deve ser mantido por seis meses no mínimo e idealmente por um ano. A
melhora costuma ocorrer entre duas e quatro semanas, mas parece que as
alterações biológicas demoram meses para desaparecer. Desse modo, se o
tratamento for interrompido nos primeiros sinais de melhora, 80% dos pacientes
vão sofrer recidiva em quatro a seis semanas.
Drauzio– O
tratamento leva de duas a três semanas para começar a surtir resultados e os
medicamentos dão alguns efeitos colaterais. Essas duas razões podem levar o
paciente a abandonar o tratamento?
Márcio
Bernik - Mesmo
que o médico inspire confiança e haja ótimo relacionamento entre ele e o
paciente, um a cada três abandona o tratamento porque, numa equação infeliz, os
efeitos colaterais aparecem no primeiro dia e a melhora, só duas ou três
semanas depois. Há ainda a agravante de que as crises de pânico pioram nas
primeiras 48 horas do tratamento com remédios.
Drauzio – Há pacientes que
precisam tomar remédio a vida inteira como acontece em certos casos de
depressão?
Márcio
Bernik –
Procuro manter meus pacientes tomando remédio pelo menos por um ano, o tempo
ideal para evitar uma recidiva precoce.
O pânico é mais recidivante do que a depressão. No entanto, o remédio que
funcionou na primeira crise vai funcionar nas outras. De qualquer forma, é
importante alertar os pacientes de que, em 80% dos casos, as crises podem
voltar. Mas, se voltarem, os medicamentos serão os mesmos, porque não induzem
tolerância.
TERAPIAS
ALTERNATIVAS
Drauzio – Terapias alternativas
como meditação e ioga fazem algum efeito?
Márcio
Bernik -
Sou fã dessas duas que você mencionou nem tanto para o pânico que, às vezes, é
uma doença biológica. No entanto, para os problemas de ansiedade e para as
pessoas que manifestam preocupação excessiva chamada de ansiedade generalizada,
atividades contemplativas como a meditação e ioga ajudam a assumir uma atitude
menos agressiva perante o mundo, menos carregada de espírito competitivo, ou
seja, auxiliam a desenvolver um comportamento oposto ao que as empresas
preconizam.
Terapias alternativas que incluem remédios como o Hipericum ou à base de
flores não têm sua eficácia comprovada e, aparentemente, funcionam como
placebos. No caso específico do Hipericum, há relatos de hemorragia por
causa de sua propriedade anticoagulante. O fato de ser uma erva não quer dizer
que não faça mal.
Drauzio – É sempre bom
lembrar que muitos dos piores venenos que conhecemos vêm de ervas.
ATIVIDADE
FÍSICA
Drauzio- Qual é o
papel do exercício físico nos transtornos de pânico?
Márcio
Bernik -
Além de fazer bem para todo o mundo porque é excelente para o condicionamento
cardiovascular, o exercício físico provoca algumas sensações semelhantes às da
síndrome do pânico. É impossível fazer um exercício físico vigoroso sem sentir
taquicardia, sudorese, perna bamba. Por isso, não se pode diagnosticar
transtorno de pânico se os sintomas ocorrerem após atividade física extenuante.
Entretanto, experimentar essas sensações de pânico num contexto agradável, por
exemplo, numa partida de vôlei ou num jogo de futebol, ajuda no processo de
dessensibilização. Assim, se não houver contraindicações, exercícios físicos
mais vigorosos representam uma forma de terapia de exposição às sensações
internas que o pânico causa.
REAÇÃO DA
FAMÍLIA
Drauzio – Como a família
deve portar-se diante de um portador do transtorno de pânico?
Márcio
Bernik – O
pânico, como todas as doenças psiquiátricas, não dá pintas vermelhas na cara
como o sarampo nem 39º C de febre. Por isso, é muito comum a família entendê-lo
como uma forma de fraqueza moral e de falta de personalidade e reagir da
seguinte maneira: “Eu também não gosto de trânsito, mas vou trabalhar todos os
dias”.
Por isso, é de importância fundamental a conscientização da família. Grupos de
auto-ajuda, livros sobre o assunto ou mesmo a internet podem ser úteis para que
os familiares entendam a natureza da doença. O mal-estar que o paciente
experimenta num congestionamento é muito diferente do desconforto que qualquer
um de nós possa sentir. Por outro lado, o excesso de compreensão pode favorecer
a esquiva fóbica, e a pessoa não sai mais de casa nem para ir à padaria. Na
verdade, a agorafobia cresce com os bons cuidados. A família deve incentivar a
atividade do doente. “Eu sei que você não se sente bem, mas é importante
continuar indo à escola”, ou “Se você conseguisse ir ao clube, ir trabalhar e
não pedisse demissão seria melhor para sua autoestima” são estímulos
importantes para os pacientes com síndrome do pânico.
Repouso é bom para gripe. Para doenças crônicas como depressão e pânico que
muitas vezes a pessoa carrega pela vida afora, o pior é ficar em casa
repousando. O certo é levar vida o mais normal possível apesar das
dificuldades.
DROGAS
Drauzio –Qual o
papel da maconha nos pacientes com transtorno do pânico?
Márcio
Bernik – Um dos
mecanismos de ação da maconha é o estímulo serotonérgico, também provocado pelo
LSD, uma droga alucinógena ligada às crises de pânico. Não há quem não tenha
ouvido falar em bad trip, a viagem sem volta, caracterizado por um
mal-estar intenso que pode levar ao suicídio.
Embora haja relatos de que a maconha é relaxante, dá sono e fome, está
demonstrado que pode desencadear crises de pânico em pessoas predispostas. Por
isso, pacientes com transtorno de pânico não devem fumar maconha.